quarta-feira, 18 de julho de 2012

Demersae Nox


  Calou-se eternamente a minh'amada,
  Quando no oceano célere ressoava,
  As tenebrosas vozes qu'eu odiava,
  Pois invites eram a outra morada...

  E num triste naufrágio da invernada,
  Ela foi-se ao abisso, qu'eu jurava,
  Terem lias e mágoa: velha e flava,
  — Daquela que não surge n'Alvorada!

  Por que o meu tesoiro se enterrou
  Nas regiões mefíticas? Caiu
  Rumo ao desconhecido desespero...

  E quando a noute imensa desespera,
  Somente a turva vaga me exaspera;
  Lembrando-me do nosso Amor efêmero...

***
Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Heroico(6ª e 10ª).


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ressonâncias d'Um Adeus


 Partindo p'ra bem longe eternamente
Aarão Filho
***

  Desde o dia que tu fostes embora,
  Sinto escorrer de mim funestas lágrimas,
  Pingando face abaixo dores íntimas
  Que se vão com a Dor chorar afora.

  Dentro do peito, rasga o langor, chora,
  Ao ver em pleno dia tais lástimas,
  — Pois nada mais impede as atras freimas! —
  Bem antes renascidas nessa Aurora...

  Tua voz me era linda, penetrante, 
  Ficando inda a beijar os meus ouvidos,
  Que hoje não mais escutam, insensíveis...

  Foi-se com tua morte, coruscante,
  Meus sonhos de ventura, estreitados,
  Ao caixão viver dores aprazíveis.

  ***
Felipe Valle

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).


sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Morte em 1914


"Em Bapaume, em Saint-Quentin..."
***

  Repletos de alegrias e de zelos,
  Que nesses corações enredados,
  Pela tristeza excelsa, eram lavados!...
  Como na madrugada de singelos...
  
  Mas a bondade eram dentre castelos
  Deles. Como os demais reconhecidos
  Efeitos da Vigília, tocados...
  Com a mudança vinda aos paralelos...

  Vagam águas que causam-nos sorrisos,
  E refletem um céu extenso e rico,
  Congelando-se a vinda d'um inverno!

  Como naqueles gestos finais, frisos...
  Da casa, da criança, e o traço bélico,
  Que caíram no horrível fim do inferno...

  ***
Felipe Valle

  São Paulo,
  19 de Outubro de 2011.

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).


domingo, 1 de julho de 2012

Triste Realidade




A carne é dolorosa, a carne é triste.
 Guerra-Duval

***
  Não me sobrou nada na vida.
  Desfez-se como a fumaraça,
  Do ledo sonho uma desgraça,
  Outra ilusão minha, vencida...

  Dor que nasceu d'uma crisálida,
  E ascendeu por entre a carnaça.
  De tersa asa, sobrevoou, cassa...
  Todos os dias, vaga a lida...

  Que sensação tão dolorosa,
  Diria eternal e inda penosa,
  Na alma saber que tudo jaz...

  Talento nesta hora eu descri,
  Com ele o Amor, junto, morri,
  Sem no meu peito sentir paz...

  ***
  São Paulo,
  01 de Julho de 2012.

  * Versos octassílabos em Sáfico Quebrado (4ª e 8ª).
  

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Círios Febris



Deixam no céu uma outra luz mortuária
Cruz e Souza
***

 Tenho inda em vida, horrendo em alta febre,
  Uma visão — presságio insofrido. —
  Doí-me o coração tão comprimido
  Por ser esta a chegada tua fúnebre.

  Perfila das visões, teu vislumbre,
  Magoante, vagueia sem um sentido.
  Fere-me na razão de ser regélido;
  — Sino febril que plange e que assim dobre!  —

  Hirto, o leito repousa finalmente,
  Meu corpo que traz lívidos tormentos,
  Crepitando dois círios lentamente...

  Então a Morte vem tão de mansinho,
  E eu digo de meus célicos lamentos:
  — Crepite-me também neste alvarinho.
 
  ***
Felipe Valle

  São Paulo,
  26 de Junho de 2012.

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

terça-feira, 19 de junho de 2012

Flor de Ciclâmen


A Arca da Graça, Flor de Ciclâmen,
abri na hora da minha morte. Amém.
Guerra-Duval

***
Na minha derradeira hora, suprema,
Os campos de meus lôbregos olhares,
Fanarão as noctívagas das flores.

E o céu d'alacridade, seu emblema,
Tornar-se-á mais roxo pelas dores,
Que carrego, além d'outros mais sofreres...

Sorvendo-me a míngua do mortório,
E contemplando o trágico destino;
Flores dentre as mais belas em silêncio,
Adornarão o olhar meu cristalino.

Anêmica a mão flébil, da Tristeza,
Tocará delicada, finalmente,
Os meus olhos tão cheios da pureza
Perdidos na penumbra opalescente...

***
Felipe Valle

São Paulo,
12 de Junho de 2012.

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

** A disposição estrófica está em Alternativo Parnasiano.



domingo, 10 de junho de 2012

Eu Amo a Tua Sinuosa Brancura

                         
                                                                 E então, como sempre, tu irás me trair.
                                                                                                   Heinrich Heine

***
  Cada vez mais eu amo tua brancura;
  Lábios que me respondem com carícias,
  Olhos desvendadores de delícias!
  E madeixas em sua rica negrura...

  És a mulher, a única procura,
  E entre tantos lugares, e renúncias,
 Achei-me em ti no enigma e me entendias;
  Como a um irmão, senti tua ternura.

  Em mim, achaste tu um novo homem,
  Igualmente ganhamos nosso amém!
  E assim íamos, fartos, de paixão.

  E, por um certo tempo, assim será,
  Porém passado 'sto, tal fim virá;
  Sei qu'eu sentirei o gosto da traição!
***
 Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 9 de junho de 2012

O Pégaso

  
Era um cavalo feito em lavas
  recoberto de brasas e de espinhos.
                         Jorge de Lima

 ***
  Rebate as patas pela imensidão,
  Firmando-se nas ondas da vaidade.
  Vagueia por entre o céu d'alacridade...
  Na Quimera que alta eleva o chão.

  Instantes das asas, na libertação;
  Das estrelas, ecos da imensidade.
  Firma excelso, vibrando sua deidade.
  O cetro lhe destina alta a canção.
 
  Com o seu ritmo ígneo, p'la coluna,
  Ao tempo, calmo, diz para a sua aluna;
  — Da Vida brilha o séquito de enébrio! —

  Desfaz a Dor; o Obstáculo, a Mudança,
  Enlevando na cura... E sana na dança,
  Com sua aura luzidia de mistério... 
 *** 
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Corpus Christi

 ***
Lembrei-me pelos bancos d'uma igreja,
  Sumptuosas as pinturas contemplava,
  Além da alma estátua que ali estava,
  Do Messias extenuado pela eigreja.

  A cruz de seu destino, tal hereja,
  Também a mim, sua dor eu carregava,
  Findando arrependido, sufragava,
  Ele e eu, abraçados à fatal peleja.

  Portas se abriam cansadas, por encanto,
  E traz-me a tristeza com seu espanto,
  Aquela vagarosa inexistência...

  Com as abertas mãos, em longa prece,
  Despedi-me, sozinho na nartece,
  No olhar tendo de Cristo a complacência.  
***
 Felipe Valle
  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Canção d'Outono

                                                                 Nos cinamomos d'ambárico outono,
                                                                 Já s'envergou o amarelo d'ardência
                                                                                                   Derek Castro

***
 Tu não sabes da queda d'uma folha
  como o coração sente u'a tristeza.
  Sulcou n'alma que só assim desfolha
  doce n'Outono, minha maior pureza.

  E como o tênue toque me farfalha,
  vacilo ao passar, passa a vagareza...
  N'Outono, vai-me o gosto da trebolha,
  e volteia em meu olhar tua rareza.
 
  Tu não sabes que vens n'uma colheita
  fortes dores sofríveis, que m'espreita,
  a alma sente doída u'a gavela;

  E a morte me parece ser tão bela
  n'Outono, dores, flores, m'assemelha...
  Tu não sabes da queda d'uma folha?
***
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 3 de junho de 2012

Nossa Angélica Desventura

*** 
Agora o nosso amor jorra num vómito.
  Numa carniça do Sol a aquecê-lo,
  E de seus rútilos raios a talá-lo;
  Nem devias rir do plangor desse rosto.

  E no silêncio, minh'anja o oposto
  De imundos vermes tornando-se belo;
  Germina a flor entreaberta o apelo!
  Nascendo noutro princípio o desgosto.

  Oculte o teu ventre, cubra-o silente,
  Aborte e nem imagine me amar.
  Ainda a sua morte se torna eminente.

  Maldita e crua, tão cruel é a torpeza,
  Jamais daríamos certos ao tentar!
  O teu fim viria antes d'última reza...
***
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Provençal / Gaita Galega (4ª, 7ª e 10ª).

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Cemitério a Beira-Mar

                         
                                       Homem liberto, hás de estar sempre aos pés do mar!
                                                            Charles Baudelaire

*** 
Orla banhada pelo inquieto oceano, 
  Mortifica-nos as vigas aterradas,
  Sem espaço p'ra um temor diáfano,
  Nas sepulturas tão bem escondidas.

  E lá se vê; imagens estendidas,
  Os terços e as epígrafes, entorno...
  Mal sente as rezas, vozes esquecidas,
  Lá sepultadas, queixas de transtorno.
 
  São, findas almas, pela alva escuma,
  Segregando segredos, d'agra morte,
  E não se sonda-os, pois algo se abruma...

  Ao fascinado filho de mais um século,
  Fitar lhe resta d'um duro combate,
  Travado pelo aflito pai em seu túmulo.
***
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).


Umbrático Passado

Pálidas sombras de ilusão perdida
Fagundes Varela

***
  Faustos fantasmas faziam-me companhia,
  Eram doces amantes jubilosas;
  Tinham poder de abrandar a nostalgia.
  Amando-me eram almas generosas!

  Resfolgavam no peito, tal pudícia,
  Que ao que se via, a formar coroa de rosas!
  Empenhado estava com ousadia,
  A tomar-lhes; e assim me eram esposas.

  Mas como toda sombra passageira,
  As nubentes, depressa sumiram...
  Indo repousar n'uma sepultura...

  Tácteis aromas, grácil foi o passado;
  Daquelas que amei, todas se foram,
  Morrer elas com meu ser inumado.

***
Felipe Valle

 * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 26 de maio de 2012

Inumação de Nossa Felicidade


  A tarde cai na tranquila necrópole,
  Tombando a mágoa, calando o ensejo.
  Tendo somente, tua lápide — pejo
  De ver-te outra vez, mas falta a índole...

  Na sensação, que tão acerba se engole,
  Curvar-me frente a imagem de almejo;
  Senti eu um choque, na face um bafejo,
  E desse pesar tomei outro gole.

  Nos corredores, nas negras, frias ruas,
  Teu leito jaz junto as flores perpétuas;
  Que ornam num íntimo terno e profundo.

  E maio, rosário feito uma grinalda,
  Coroou as núpcias, louvei minh'amada,
  Inumar nosso amor foi noutro mundo!

  * Versos decassílabos no ritmo Provençal / Gaita Galega (4ª, 7ª e 10ª).



terça-feira, 22 de maio de 2012

Inútil Dizer


  ***
Horas, passadas horas infrutuosas,
  Que levaram, p'ra bem longe, a tristura.
  E como assim, quem sente a quentura
  Tornar ao rosto as lágrimas penosas.

  Foram as incontáveis tristes horas,
  Se incrustando na fria e baça nervura.
  Teu retrato, revendo, a ida alvura,
  No meu peito arfou dores lutuosas.

  E a nostalgia sentida em cada canto,
  Teu andar se vê, mas vejo-o nevoento,
  Entre as arestas, entre os lios de luz;

  Sala, quartos, e noutros aposentos,
  Pudera eu guardar nossos bons momentos,
  Quando tu ias ao esquife em cambaluz.

***
Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 20 de maio de 2012

Breve Partida...


 Dedos teus, lívidos, clamando enfim,
  D'um meneio breve, mas d'agéis desígnios,
  Pelo ar pousam, e mitiga suplícios,
  Guiando a ventura, ou quem sabe o fim!

  Elevam-se ao céu, fora ave ao confim
  Ruflando sombria, por outros domínios.
  Virtuosas mãos, que partem com desmaios,
  E um pouco dessa dor adentra em mim.

  Dentre a visão de imaculado alívio,
  Tuas mãos se perdem noutro maior temor,
  Sem encontrar consolo em tempo frio.

  Bem aqui dentro, que enfim desolo,
  Sem ter a ciência se inda sentirei o calor
  Das mãos que dadivam a mim consolo.

* Versos decassílabos no ritmo Sáfico (4ª, 8ª e 10ª).

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Tempestade Lacrimal

  Do poente ao sentimento enfermiço,
  Caiu-se a face, redobrou-se o lamento.
  Surgiu, e morreu na dor do momento,
  Calando-se lastimoso e sem viço.

  Dias assim, tal qual turvo arcaboiço,
  Maculado, descrente e tão faminto;
  Seu corpo, feito hórrido labirinto,
  Anda sem sentido, rumo ao calabouço!

  E a Vida, quieta e voraz lhe indaga:
  Já sabes que aumentar-lhe-ei a tua chaga?!
  Por que é normal numa tempestade.

  Lágrimas sombrias, lágrimas sinceras,
  Na triste via repleta de quimeras,
  Vemos pelo olhar fatal da Verdade!

  Felipe Valle

  
* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Cratera Civil


Membros resvalam com sofrimento:
 Tochas s'elevam p'los incendiados,
Na estrebaria em que há flagelados;
Todos ingênuos com seus ferimentos...

A dor s'expõe numa fúria!... Momento
De reflexão p'los atros quebrantados.
Socorro seria u'a flor aos magoados,
Que s'alienaram na chama e lamento!

U'a nuca aberta algures, perdão
Não se acha nesta funérea região,
 Tão dizimada na guerra terrível.

E sem parar a barbárie sentida,
  Surgem d'um ventre as cruas sobras, inda
Marchando p'la existência infértil.

Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Provençal / Gaita Galega (4ª, 7ª e 10ª).
                                        ** Este ritmo também é conhecido como Moinheira.
*** Este soneto foi inspirado no reflexivo quadro Guernica, do pintor espanhol Pablo Picasso.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Vertigem Cemiterial


 Eu não confronto, p'la tua cinza campa,
  És, sabes bem, soturno e tão ausente,
  Olhando quieto, a contar cada etapa;
  Dos meus passos um tanto penetrantes.

  Fito-te assim, receoso e descontente,
  Que da vida, incógnito 'ste mapa,
  Causa-me tatear; náusea cegamente,
  Sem saída, pois teu apoio me escapa.

  Ando pelo ruído chão calcado...
  Ciente a fazer, dos mortos em companhia,
  A nossos dois espíritos, perdidos.

  Balouça as tristânias, tão aspérrimas...
  Dessa senda, que é mui temerária;
  A nossas duas almas, de tão nigérrimas.

Felipe Valle

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Vingança


 Nas multidões e tochas pelo ar
  Pela escolha vil recuei bem rápido,
  Eram diversos, meu temido olhar,
  Nada perante era a tal urdido...

  O que será que poderia calar
  O grito... O luto que foi ferido?
  Deixei o pânico, veloz s'afirmar
  Numa ardência ao meu olhar perdido...

  E na tarefa, o refece orgulho
  Aos poucos, ter que eu rever somente
  Com a tristeza pelo meu caminho....

  Numa contagem regressiva, plena,
  Para se tornar plenamente forte, 
  E, heroicamente ressurgi da geena!

Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Sáfico (4ª, 8ª e 10ª).

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Glória Fúnebre



"À Minha Amada Vanessa Luna"

  Então éramos tristes e fugaces,
  Tendo medo de não mais nos revermos.
  Partilhando aquilo tudo que amávamos
  Entre vãs tentativas pertinaces...

  E malsã era a luz, das nossas faces,
  Bem repleta de dor que protegíamos,
  Na memória o Amor — co'ele sonhávamos!
  Em minutos, findaria, edaces...

  Os sepulcros, na máxima sapiência,
  Como não fossem lúgubres, místicos,
  Pareciam nos alertar calmamente;

  Eu armado em desejo, na ciência
  Que p'ra lá eu e tu um dia iríamos,
  T'eternizei num beijo, suavemente...

Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Martelo Agalopado (3ª, 6ª e 10ª).

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Beleza Vespertina


                                              "À Vanessa Luna"
                    Que a tua estrela continue a brilhar neste céu negro!

  Quando badala o céu na vespertina,
  Teu olhar à fitar-me ascendente,
  Soando mais uma vez no Azul poente,
  Desperta da minh'alma uma bolina. 

  E nesse triste sonho reluzente,
  Repica melodiosa! Mui divina
  A sonata — tal como bailarina —
  Ensaiando um passo indolente...

  Eu a seguir-te, cada movimento,
  Mirando atentamente o firmamento,
  A tão sonhada Vésper portentosa!

  Nessas horas de pura admiração,
  Meu ser melancólico, então
  Morre e rebrota numa pulcra rosa.

Felipe Valle

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Pálpebras Oclusas


 Remito-me por todas ilusões,
  Que me ergueram ao céu brando, e vulpino!
  Guiaram-me, eu tão já sem um destino,
  A desfrutar as mais lindas visões.
  
  Tenho na tez descorada, vis razões
  Refletindo meu palor cristalino.
  E olhos, ah! Meu olhar de tão divino
  Que foi, quando perdia-se nas paixões...

  A tua fora a mais forte, transcendente...
  Que não me esquecerei facilmente,
  Enquanto 'sta dor pulsar por meu corpo.

  E por mais que o tempo frio, s'esbata
  Gelando a mim, lembrarei da data,
  Que a ti m'entregava num escopo!

Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 29 de janeiro de 2012

A Mãe de Todas as Nossas Necessidades

  
 Ao tentar se executar um alguém,
 — Uma vida que nos é valedoira —
  Não apenas nesta vida, mas no além...
  D'um afeto admirável junto à leira,

  Nem cogitamos que do evo a caveira,
  Semeando se está e se equivalem;
  A cova rasa e nua pela sua beira,
  As fases pela qual lhe dão passagem...

  A vida toda grácil s'esfumando...
  No que inda era pouco, começando,
  D'uma abertura tão bela e virente,

  E no fim, infelizes percebemos 
  Os frutos apanhados — que juntamos,
  Se decompõe numa olência repugnante!

Felipe Valle
 
*Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Versos d'Esperança

                                                                                                                    "À Manoela"



 Tento com estes tétricos meus versos,
  Anuviar-me o espírito contrito,
  E quem sabe alcançar o finito
  Pesar, pela qual jazem submersos;

  Tais medos e delírios universos,
  Segredam da longura ao infinito,
  O quanto longe 'stou do meu espírito!
  Ao logro de enredos, bem emersos...

  A palavra!... Ciciada em teu ouvido,
  Faça valer a vida atentamente!...
  Ah meu Amor, do qu'eu tenho vivido.

  Quisera assim tocar-te o coração,
  Meu ser estar de certo — decadente...
  Pudera abrir-te os olhos — d'ilusão!...

Felipe Valle


  *Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 21 de janeiro de 2012

Profundezas do Teu Eu



  Jurei p'ra mim, que jamais te abandonaria,
  Enquanto desvendava teus segredos;
  Pelo teu âmago, — tais atros alvoredos. —
  Insondável foi a náusea que me arruínaria!

  Inda no coração, — atra feitiçaria
  Na redolente imagem dos pecados!
  Fui sentindo... Meu ser por ti ornado.
  Filósofa eras tu com sua facúndia;

  E em desvario, no pranto alicerçado,
  Foi-se moldando minha face lúrida,
  Como o brilho d'outrora inapagado...

    Desse amor — esfacelou putrefeita
  Além da tua profundeza — que jaz lívida,
Num paul ou numa vala bem estreita!

Felipe Valle

  *Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 15 de janeiro de 2012

Trágico Invite


  Sem saber o por que dessa tristeza,
  Fui-me, pensando pela noute aberta,
  O desfecho preposto a minha meta,
  Numa onda de certo débil — de fraqueza.

  Prostrei-me no relvado, e co' a fereza,
    Escalei da necrópole, na oferta
  De lá encontrar, talvez, u'a resposta,
    E do muro pulado, a grandeza!

  Sim... ! Deparei-me inda me aproximando,
  Seu chamado, o último, e sincero
  — E para ela fui-me encaminhando;

  Sentindo na pele toda a frescura,
  — A morte a me convidar por inteiro —
    Num eternal abraço, a sua lura!


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 14 de janeiro de 2012

Dualística Paixão

  
  Sussurrou-me Satã em meus ouvidos:
  "Diga a ela, que veemente tu a adora."
    Tal frase ressoou como u'a anáfora;
  Disse-lhe então: — Contar-lhe-ei meus segredos.

  — Amor que em nossa trama, nossos medos,
    Te reste, antes de formos a lora,
  A certeza que t'amo, nesta exata hora,
  E p'ra sempre, inda qu'eu parta mais cedo...

    E que haja, juntos pela eternidade,
  Vindo a Morte nos levar, com seu ímpeto,
    A sagrada benção desta verdade!

    Gralhou por fim Satã em devoção:
  "Ah! Tu és de longe o meu predileto!"
  E eu quase a chorar dessa agra Paixão!


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

Momentos Felizes

  Tive o vago desejo, no peito,
  De por alguns momentos fugazes,
  Trazer à tal memória, os felizes
  Beijos dados, — d'um tal sentimento!...

  E foi tão grande meu sofrimento!...
  — Sempre dói-me relembrar que partistes —
  Sem retornar, dando-me ares tristes,
  Nessa face chorosa, eu lamento...

  O meu quarto, como u'a testemunha,
  Presencia eu ferir-me co' a unha
  Estes lábios, que tanto beijaste...

  E esta cama, 'sta que foi nosso leito,
  Os segredos volteiam quando deito,  
  Revelando n'alma quanto eu amei-te...


Felipe Valle


* Versos eneassílabos em Gregoriano Anapéstico (3ª, 6ª e 9ª).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Você



"Eu não sou como ele, que tem suas memórias perdidas e de algum modo encontra a sua amada, para finalmente reencontrar seu caminho... Só tenho essa sutra  bem... talvez além disso talvez eu também tenha esta pessoa, mas não me recordo de antes tê-la amado... Por favor Deus, que através das palavras contidas na sutra preencha-a minha existência... Não sei se é correto fazer da poesia a solução para meu estado, seria justo com ela? Porém almas maiores e mais belas do que a minha, tentaram... E creio do fundo do meu coração que tenham conseguido... E se realmente for verdade aquilo que pressinto, no olhar dela eu... Encontre a paz!... Sei que não é um simples olhar... Mesmo assim é difícil... Mas tentarei daqui em diante."




Ter de esperar, é muito angustiante,
  — Na chegada possível, —
E me pergunto, só e conflitante...
O por que da demora, irreprimível...

Deves saber Deus!... Como é p'ra mim pungente
isso tudo. E ter que cada nível
superar, e ouvir inda dissonante
outra voz que me seja insensível...

Poderei eu pedir a este mundo
  co' exaltado esforço,
que tu mitigues meu pesar profundo?

Saiba que p'ra mim somente tua existência
qu'eu tanto quero!... Ah! Como eu torço
  que me seja, você, minh'alegria!


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Imensurável Tristeza



  Deixe-me trincafiado com 'sta dor!
  Qu'eu afogarei só amargamente...
  E nem tente me salvar de repente,
  Com teu suave, e perenal dissabor!

  Crês! Contudo num lance do teu amor,
  Resgatar-me-ia tão ousadamente,
  Mas se me dado fosse, todo seu — ardor, —
  Inda eu renunciaria-te veemente;

  Tal o poder da régia melancolia,
  Criando abismos em vãs consolações!
  Declinando-nos à sorte d'agonia...
  
  Olvide-me! Procuro ar noutro céu,
  E fito na tristeza — constelações; — 
  No horror existente do meu eu...


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 8 de janeiro de 2012

Em Vão

  Eu tenho tanto medo — sem tamanho;
  De te perder, e em vão tentar explicar,
    Todo nosso amor lôbrego d'antanho,
  A minha carcaça langue a estertorar...

  Enregela minh'alma deposta a prantear,
  Colada a u'a parede... Quando sonho
  Febril, com tua presença a me confortar,
  E mitiga meu temor com carinho...

  Beijos dados, na ardência fervorosa,
    Lembro-me compungido, um por um;
  Continham u'a sapiência silenciosa...

  Mas Deus!... — De tais alturas eu te clamo!
    A benção majestosa, e toda d'algum
  Lance; e salve a que tanto eu conclamo!...

Felipe Valle

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Eu Carrego o Dicionário d'Angústia


                           
  Carrego o dicionário co' angústia...
  Devotado a suportar solitário.
  As dores, quero-as p'ra mim co' agonia,
  Tornando-me d'starte um temerário...

  Sei que, atraindo-as, trarei alegria,
  Aos que, como eu, sentem, de tudo — adversário.
  Irei num gesto mavioso, co' ousadia,
  Cessar a dor, d'ste mundo arbitrário.

  A suportar no âmago, a bravura!
  Cada confim, o medo há de sumir,
  Mesmo que inda, eu sangre com tristura!...

  Morto estou, fadado na mald'ção;
  De estar vivo. Mas oculta irá ressurgir
  A luz cantada desta atra canção.

Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

Humilhação

  Daquele dia, a humilhação 
  Se fez presente, e precita...
  Eu mal sabia por entre o chão,
  As minhas lágrimas malditas;

  Seriam vertidas. D'uma escrita
  De um filósofo em oração,
  Ao ver a amada assaz bonita,
  Assim me foi 'sta ocasião...
  
  O qu'eu guardei das esperanças:
  Morreram tão quietas e fátuas...
  Que hoje sei; — Foram tuas tranças...

  Esvaindo entre minhas mãos;
  E reconheço das perpétuas
  Dores, o fruto da ilusão!


Felipe Valle


  * Versos octassílabos em Sáfico Quebrado (4ª e 8ª).