quinta-feira, 28 de junho de 2012

Círios Febris



Deixam no céu uma outra luz mortuária
Cruz e Souza
***

 Tenho inda em vida, horrendo em alta febre,
  Uma visão — presságio insofrido. —
  Doí-me o coração tão comprimido
  Por ser esta a chegada tua fúnebre.

  Perfila das visões, teu vislumbre,
  Magoante, vagueia sem um sentido.
  Fere-me na razão de ser regélido;
  — Sino febril que plange e que assim dobre!  —

  Hirto, o leito repousa finalmente,
  Meu corpo que traz lívidos tormentos,
  Crepitando dois círios lentamente...

  Então a Morte vem tão de mansinho,
  E eu digo de meus célicos lamentos:
  — Crepite-me também neste alvarinho.
 
  ***
Felipe Valle

  São Paulo,
  26 de Junho de 2012.

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

terça-feira, 19 de junho de 2012

Flor de Ciclâmen


A Arca da Graça, Flor de Ciclâmen,
abri na hora da minha morte. Amém.
Guerra-Duval

***
Na minha derradeira hora, suprema,
Os campos de meus lôbregos olhares,
Fanarão as noctívagas das flores.

E o céu d'alacridade, seu emblema,
Tornar-se-á mais roxo pelas dores,
Que carrego, além d'outros mais sofreres...

Sorvendo-me a míngua do mortório,
E contemplando o trágico destino;
Flores dentre as mais belas em silêncio,
Adornarão o olhar meu cristalino.

Anêmica a mão flébil, da Tristeza,
Tocará delicada, finalmente,
Os meus olhos tão cheios da pureza
Perdidos na penumbra opalescente...

***
Felipe Valle

São Paulo,
12 de Junho de 2012.

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

** A disposição estrófica está em Alternativo Parnasiano.



domingo, 10 de junho de 2012

Eu Amo a Tua Sinuosa Brancura

                         
                                                                 E então, como sempre, tu irás me trair.
                                                                                                   Heinrich Heine

***
  Cada vez mais eu amo tua brancura;
  Lábios que me respondem com carícias,
  Olhos desvendadores de delícias!
  E madeixas em sua rica negrura...

  És a mulher, a única procura,
  E entre tantos lugares, e renúncias,
 Achei-me em ti no enigma e me entendias;
  Como a um irmão, senti tua ternura.

  Em mim, achaste tu um novo homem,
  Igualmente ganhamos nosso amém!
  E assim íamos, fartos, de paixão.

  E, por um certo tempo, assim será,
  Porém passado 'sto, tal fim virá;
  Sei qu'eu sentirei o gosto da traição!
***
 Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 9 de junho de 2012

O Pégaso

  
Era um cavalo feito em lavas
  recoberto de brasas e de espinhos.
                         Jorge de Lima

 ***
  Rebate as patas pela imensidão,
  Firmando-se nas ondas da vaidade.
  Vagueia por entre o céu d'alacridade...
  Na Quimera que alta eleva o chão.

  Instantes das asas, na libertação;
  Das estrelas, ecos da imensidade.
  Firma excelso, vibrando sua deidade.
  O cetro lhe destina alta a canção.
 
  Com o seu ritmo ígneo, p'la coluna,
  Ao tempo, calmo, diz para a sua aluna;
  — Da Vida brilha o séquito de enébrio! —

  Desfaz a Dor; o Obstáculo, a Mudança,
  Enlevando na cura... E sana na dança,
  Com sua aura luzidia de mistério... 
 *** 
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Corpus Christi

 ***
Lembrei-me pelos bancos d'uma igreja,
  Sumptuosas as pinturas contemplava,
  Além da alma estátua que ali estava,
  Do Messias extenuado pela eigreja.

  A cruz de seu destino, tal hereja,
  Também a mim, sua dor eu carregava,
  Findando arrependido, sufragava,
  Ele e eu, abraçados à fatal peleja.

  Portas se abriam cansadas, por encanto,
  E traz-me a tristeza com seu espanto,
  Aquela vagarosa inexistência...

  Com as abertas mãos, em longa prece,
  Despedi-me, sozinho na nartece,
  No olhar tendo de Cristo a complacência.  
***
 Felipe Valle
  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Canção d'Outono

                                                                 Nos cinamomos d'ambárico outono,
                                                                 Já s'envergou o amarelo d'ardência
                                                                                                   Derek Castro

***
 Tu não sabes da queda d'uma folha
  como o coração sente u'a tristeza.
  Sulcou n'alma que só assim desfolha
  doce n'Outono, minha maior pureza.

  E como o tênue toque me farfalha,
  vacilo ao passar, passa a vagareza...
  N'Outono, vai-me o gosto da trebolha,
  e volteia em meu olhar tua rareza.
 
  Tu não sabes que vens n'uma colheita
  fortes dores sofríveis, que m'espreita,
  a alma sente doída u'a gavela;

  E a morte me parece ser tão bela
  n'Outono, dores, flores, m'assemelha...
  Tu não sabes da queda d'uma folha?
***
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 3 de junho de 2012

Nossa Angélica Desventura

*** 
Agora o nosso amor jorra num vómito.
  Numa carniça do Sol a aquecê-lo,
  E de seus rútilos raios a talá-lo;
  Nem devias rir do plangor desse rosto.

  E no silêncio, minh'anja o oposto
  De imundos vermes tornando-se belo;
  Germina a flor entreaberta o apelo!
  Nascendo noutro princípio o desgosto.

  Oculte o teu ventre, cubra-o silente,
  Aborte e nem imagine me amar.
  Ainda a sua morte se torna eminente.

  Maldita e crua, tão cruel é a torpeza,
  Jamais daríamos certos ao tentar!
  O teu fim viria antes d'última reza...
***
Felipe Valle
* Versos decassílabos no ritmo Provençal / Gaita Galega (4ª, 7ª e 10ª).