terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Pálpebras Oclusas


 Remito-me por todas ilusões,
  Que me ergueram ao céu brando, e vulpino!
  Guiaram-me, eu tão já sem um destino,
  A desfrutar as mais lindas visões.
  
  Tenho na tez descorada, vis razões
  Refletindo meu palor cristalino.
  E olhos, ah! Meu olhar de tão divino
  Que foi, quando perdia-se nas paixões...

  A tua fora a mais forte, transcendente...
  Que não me esquecerei facilmente,
  Enquanto 'sta dor pulsar por meu corpo.

  E por mais que o tempo frio, s'esbata
  Gelando a mim, lembrarei da data,
  Que a ti m'entregava num escopo!

Felipe Valle

* Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 29 de janeiro de 2012

A Mãe de Todas as Nossas Necessidades

  
 Ao tentar se executar um alguém,
 — Uma vida que nos é valedoira —
  Não apenas nesta vida, mas no além...
  D'um afeto admirável junto à leira,

  Nem cogitamos que do evo a caveira,
  Semeando se está e se equivalem;
  A cova rasa e nua pela sua beira,
  As fases pela qual lhe dão passagem...

  A vida toda grácil s'esfumando...
  No que inda era pouco, começando,
  D'uma abertura tão bela e virente,

  E no fim, infelizes percebemos 
  Os frutos apanhados — que juntamos,
  Se decompõe numa olência repugnante!

Felipe Valle
 
*Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Versos d'Esperança

                                                                                                                    "À Manoela"



 Tento com estes tétricos meus versos,
  Anuviar-me o espírito contrito,
  E quem sabe alcançar o finito
  Pesar, pela qual jazem submersos;

  Tais medos e delírios universos,
  Segredam da longura ao infinito,
  O quanto longe 'stou do meu espírito!
  Ao logro de enredos, bem emersos...

  A palavra!... Ciciada em teu ouvido,
  Faça valer a vida atentamente!...
  Ah meu Amor, do qu'eu tenho vivido.

  Quisera assim tocar-te o coração,
  Meu ser estar de certo — decadente...
  Pudera abrir-te os olhos — d'ilusão!...

Felipe Valle


  *Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 21 de janeiro de 2012

Profundezas do Teu Eu



  Jurei p'ra mim, que jamais te abandonaria,
  Enquanto desvendava teus segredos;
  Pelo teu âmago, — tais atros alvoredos. —
  Insondável foi a náusea que me arruínaria!

  Inda no coração, — atra feitiçaria
  Na redolente imagem dos pecados!
  Fui sentindo... Meu ser por ti ornado.
  Filósofa eras tu com sua facúndia;

  E em desvario, no pranto alicerçado,
  Foi-se moldando minha face lúrida,
  Como o brilho d'outrora inapagado...

    Desse amor — esfacelou putrefeita
  Além da tua profundeza — que jaz lívida,
Num paul ou numa vala bem estreita!

Felipe Valle

  *Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 15 de janeiro de 2012

Trágico Invite


  Sem saber o por que dessa tristeza,
  Fui-me, pensando pela noute aberta,
  O desfecho preposto a minha meta,
  Numa onda de certo débil — de fraqueza.

  Prostrei-me no relvado, e co' a fereza,
    Escalei da necrópole, na oferta
  De lá encontrar, talvez, u'a resposta,
    E do muro pulado, a grandeza!

  Sim... ! Deparei-me inda me aproximando,
  Seu chamado, o último, e sincero
  — E para ela fui-me encaminhando;

  Sentindo na pele toda a frescura,
  — A morte a me convidar por inteiro —
    Num eternal abraço, a sua lura!


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

sábado, 14 de janeiro de 2012

Dualística Paixão

  
  Sussurrou-me Satã em meus ouvidos:
  "Diga a ela, que veemente tu a adora."
    Tal frase ressoou como u'a anáfora;
  Disse-lhe então: — Contar-lhe-ei meus segredos.

  — Amor que em nossa trama, nossos medos,
    Te reste, antes de formos a lora,
  A certeza que t'amo, nesta exata hora,
  E p'ra sempre, inda qu'eu parta mais cedo...

    E que haja, juntos pela eternidade,
  Vindo a Morte nos levar, com seu ímpeto,
    A sagrada benção desta verdade!

    Gralhou por fim Satã em devoção:
  "Ah! Tu és de longe o meu predileto!"
  E eu quase a chorar dessa agra Paixão!


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

Momentos Felizes

  Tive o vago desejo, no peito,
  De por alguns momentos fugazes,
  Trazer à tal memória, os felizes
  Beijos dados, — d'um tal sentimento!...

  E foi tão grande meu sofrimento!...
  — Sempre dói-me relembrar que partistes —
  Sem retornar, dando-me ares tristes,
  Nessa face chorosa, eu lamento...

  O meu quarto, como u'a testemunha,
  Presencia eu ferir-me co' a unha
  Estes lábios, que tanto beijaste...

  E esta cama, 'sta que foi nosso leito,
  Os segredos volteiam quando deito,  
  Revelando n'alma quanto eu amei-te...


Felipe Valle


* Versos eneassílabos em Gregoriano Anapéstico (3ª, 6ª e 9ª).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Você



"Eu não sou como ele, que tem suas memórias perdidas e de algum modo encontra a sua amada, para finalmente reencontrar seu caminho... Só tenho essa sutra  bem... talvez além disso talvez eu também tenha esta pessoa, mas não me recordo de antes tê-la amado... Por favor Deus, que através das palavras contidas na sutra preencha-a minha existência... Não sei se é correto fazer da poesia a solução para meu estado, seria justo com ela? Porém almas maiores e mais belas do que a minha, tentaram... E creio do fundo do meu coração que tenham conseguido... E se realmente for verdade aquilo que pressinto, no olhar dela eu... Encontre a paz!... Sei que não é um simples olhar... Mesmo assim é difícil... Mas tentarei daqui em diante."




Ter de esperar, é muito angustiante,
  — Na chegada possível, —
E me pergunto, só e conflitante...
O por que da demora, irreprimível...

Deves saber Deus!... Como é p'ra mim pungente
isso tudo. E ter que cada nível
superar, e ouvir inda dissonante
outra voz que me seja insensível...

Poderei eu pedir a este mundo
  co' exaltado esforço,
que tu mitigues meu pesar profundo?

Saiba que p'ra mim somente tua existência
qu'eu tanto quero!... Ah! Como eu torço
  que me seja, você, minh'alegria!


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Imensurável Tristeza



  Deixe-me trincafiado com 'sta dor!
  Qu'eu afogarei só amargamente...
  E nem tente me salvar de repente,
  Com teu suave, e perenal dissabor!

  Crês! Contudo num lance do teu amor,
  Resgatar-me-ia tão ousadamente,
  Mas se me dado fosse, todo seu — ardor, —
  Inda eu renunciaria-te veemente;

  Tal o poder da régia melancolia,
  Criando abismos em vãs consolações!
  Declinando-nos à sorte d'agonia...
  
  Olvide-me! Procuro ar noutro céu,
  E fito na tristeza — constelações; — 
  No horror existente do meu eu...


Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

domingo, 8 de janeiro de 2012

Em Vão

  Eu tenho tanto medo — sem tamanho;
  De te perder, e em vão tentar explicar,
    Todo nosso amor lôbrego d'antanho,
  A minha carcaça langue a estertorar...

  Enregela minh'alma deposta a prantear,
  Colada a u'a parede... Quando sonho
  Febril, com tua presença a me confortar,
  E mitiga meu temor com carinho...

  Beijos dados, na ardência fervorosa,
    Lembro-me compungido, um por um;
  Continham u'a sapiência silenciosa...

  Mas Deus!... — De tais alturas eu te clamo!
    A benção majestosa, e toda d'algum
  Lance; e salve a que tanto eu conclamo!...

Felipe Valle

  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Eu Carrego o Dicionário d'Angústia


                           
  Carrego o dicionário co' angústia...
  Devotado a suportar solitário.
  As dores, quero-as p'ra mim co' agonia,
  Tornando-me d'starte um temerário...

  Sei que, atraindo-as, trarei alegria,
  Aos que, como eu, sentem, de tudo — adversário.
  Irei num gesto mavioso, co' ousadia,
  Cessar a dor, d'ste mundo arbitrário.

  A suportar no âmago, a bravura!
  Cada confim, o medo há de sumir,
  Mesmo que inda, eu sangre com tristura!...

  Morto estou, fadado na mald'ção;
  De estar vivo. Mas oculta irá ressurgir
  A luz cantada desta atra canção.

Felipe Valle


  * Versos decassílabos no ritmo Heroico (6ª e 10ª).

Humilhação

  Daquele dia, a humilhação 
  Se fez presente, e precita...
  Eu mal sabia por entre o chão,
  As minhas lágrimas malditas;

  Seriam vertidas. D'uma escrita
  De um filósofo em oração,
  Ao ver a amada assaz bonita,
  Assim me foi 'sta ocasião...
  
  O qu'eu guardei das esperanças:
  Morreram tão quietas e fátuas...
  Que hoje sei; — Foram tuas tranças...

  Esvaindo entre minhas mãos;
  E reconheço das perpétuas
  Dores, o fruto da ilusão!


Felipe Valle


  * Versos octassílabos em Sáfico Quebrado (4ª e 8ª).